A primeira mão que toquei era morna e vertia humidade entre os dedos. Depois, uma mão de anfíbio, quase repelente. De seguida, a de uma suposta pintora, com dedos bem finos e sempre arqueados de querer agarrar. E logo se seguem dedos mais hirtos na sua textura, ora de salgueiro, ora de plátano jovem. E vão cruzando essas mãos com a minha, primeiro com a esquerda, depois com a outra, todas bem compassadas.
Estou nesta dança e não sei quando acaba, mas uma após uma vão baloiçando ante mim as mulheres e os seus vestidos não são tão bizarros assim, nem os seus sorrisos diferem, ainda que umas sorriam o mesmo em cada compasso e outras alterem um pouco a centelha dos olhos. Uma torceu os cabelos sobre a cabeça e isso fez-me notar que era diferente, mas em quase nada. A dança prossegue no mesmo balanço, e passa mais uma, e outra, e todas as mãos deste mole andamento repousam por meio segundo nas minhas, primeiro a esquerda, depois a que pedem chegando ao altar. Nenhuma descai mais que o seu próprio peso, pois toda a mulher que aperta demais a mão de um homem, dizem que é máscula e deve dançar no sentido inverso, com outros trejeitos. E se eu tiver de escolher a mulher pelas mãos, este bailado será precioso e raras as vezes tão útil será o tempo perdido por entre salões e espelhos. A música nunca descansa, embora seja pausada no mel e isso deixa-nos tempo para olhar também os reflexos, os nossos e os de perfil de quem só tocamos de frente. Além, vejo tranças sobre ombros desnudos, e isso é bastante para me distrair, pois tenho de ver a que mãos correspondem. Tenho de saber. Mas, tão extenso é este salão e tantas são as damas vestidas num mesmo tom, que nem calculando o compasso até chegar junto a mim, terei a certeza de quem ela é.
Enquanto ergo a mão ao nível do peito, primeiro a esquerda, depois a do nome ofertado ao que é perfeito, vou recordando o porquê das tranças me terem cativo, ao ponto de serem o que mais detestava rever na infância. Eram o mais leve ornamento que poderiam usar as meninas, e isso mostrava o quanto não era especial quem eu queria que fosse. Mas, eis que vivi mais tarde o fazê-las, compassadamente, primeiro para a esquerda, depois para o lado que brilha mais vezes ao sol. E, desses dias e anos, sobrou-me tão só paciência. Hoje, são raras as tranças que fito em mulheres dependentes deste minueto enfadonho, e disso são o sinal, aquele sinal que creio poder indicar o fim desta dança, o tempo em que paro e me sento com ela. Contudo, de frente, todas são tão iguais e há por aqui um código tão cru para ver e sentir, que não posso sequer ter um nome. Terei de manter o meu passo, ferrar a distância entre as pernas, e albergar nestas palmas – primeiro a esquerda, depois a que te penteia – por meio segundo, todas as mãos que circulam aqui, até que fiquemos tão velhos que terão de soltar-se os cabelos. Aí, veremos quem é verdadeira anciã, que só solta a trança ao dormir. Aí, saberemos se estes olhos ainda terão lágrimas capazes de iluminar o rosto, ou se tudo será oco, seco, e monótono, como este baile imbecil que me carrega o corpo, e sei que não cessará numa praia.
Sou um marinheiro forçado, que apenas teme a rebentação e, por ser assim, lançou âncora no alto mar, tendo em si próprio uma ilha, onde crê vir a aportar a mão que quedar mais que um segundo, mais que uma dança, mais que um dia à sombra do sol. Não acredito em bailes de roda, mas rodo o meu corpo para te afagar, quando, finalmente, chegares. E quando o fizeres, tu dirás intrigada: “Baile, qual baile?”, sendo esse o momento de te recordar que as mãos de asceta, são por te banhares em ribeiros que correm também no Verão, embora abraçados de vales. Também estes ribeiros bailaram um dia; primeiro para a esquerda, depois para o lado do mar, e dizem ter sido assim que nasceram meandros, os mesmos que desfio nos teus longos cabelos antes de repousarmos o corpo e desampararmos a alma.