Escrevo a três mãos, para que me furtes nas nuvens, e rias. Sem senãos, sem desculpas.
És a menina moldada em estilhaços, os que ficaram de dez turbilhões. Não merecem recuos. Não inspiram lamentos ou vergastas de dor no chão espancado da vida agastada e ordeira que levas à sepultura mais bolorenta, sem veres como murcham o cetim dos teus olhos.
E os turbilhões sempre serão turbilhões, anões no encalço dessa atrevida cova que abriste. Mas aos anões, não se lhes toca nem dá a mão, nem mesmo à distância, que todos dormem onde é guardado o teu nicho e irrompe o teu hoje, aninhados em lenta e sisuda cama, fingindo infâncias robustas de choro e diatribes, anos nos quais se romperam mais bibes em danças de roda que nas festas às quais te levei pelo braço.
Sempre serão turbilhões, sempre serão incertos e quentes, culpados de ser inocentes num amor vestido até aos ossos, fingido em biscoitos de rimas. Resvalando para qualquer madrugada, não atam amantes com um “volta comigo” irado e sumido. Nada imaginam e residem tão sós, em leves e gélidos coitos, indeterminados e breves, que esquecem as poses divinas e confundem a bruma com verdadeiros regressos.
Não são milhares e não vivem, não dão explicações, não migram das tuas palavras, não vão escorrer pelos dedos nem cansar todo o sono cortado das últimas noites. Não sabem ser loucos, nem tampouco são por mim decifráveis.
És capaz de decifrar uma onda quando ela revolve os espaços, derruba os nós do regaço e envolve toda a areia invertida em contratempos e fúrias?
Pois eu consigo apenas decifrar o mar calmo, o ninho de uma gaivota isolada, dois barcos pousados na palma do teu cardo transladado em romã, mas não posso esperar que nades com ele benzida e sem nada. Nem por ti esperar posso, que irrompes de medo nas veias do céu e amas recantos de liberdade no recato de um jardim perturbado.
És uma menina moldada no vidro. E o dessa janela só te acrescenta os trinta anos que quiseres, pois muitas são as casas sem vidraças, sem velas, sem brisas que soprem até esconderem gemidos.
E é por isso que escrevo a três mãos, para que me colhas das nuvens, e rias. Para que me expliques como fazes para sumir e surgir sem dormir. Para que fiquem comigo as desculpas, e contigo o reverso do que conheço. Para que me cales quando negar ter nascido. Para que espraies turbilhões em dez praias, e recolhas as mãos em búzios perdidos na fronteira do mar.
Podemos então banhar o orvalho pendente num sol amornado que prometa florir?
Se me respondes, fá-lo com graça, que vim para ficar e fico aqui hoje onde te vim encontrar.