Quando dupliquei os mapas na sala e no quarto, as dez almofadas sem cor, que bem namoraste, cuspiram surdina e desprezo. Foi por eu ser um tio dos mapas, um bom compulsivo inimigo, que mesmo detendo a luz em lugar do meu porta-luvas, o dia de forte vazio far-se-á de mais brilho.
Não sou capaz de fugir à pulsão de os ter, de perder o amor pelos dias em que só os abro, sustendo os rasgões das arestas. Já se foi o tempo de os copiar, com uns marcadores insistentes e gastos de cores inauditas.
São mapas inúteis, é certo. Guardados em caixas, por dentro de outras, em móveis onde mal posso sequer pensar em bulir; são eles as mães das memórias, os sítios perdidos no sono onde já parei e comi trinta vezes.
Os do porta-luvas também são inúteis, por me faltar quem os abra e os vire, e sorrindo os revire, enquanto fecho o meu vidro ao relento e me centro na linha contínua que foge ao olhar.
O ar do luar é primo de um turbilhão. Não posso dormir. Não vou sucumbir ao rodar sempre igual. Os primos são bagos de sol enlutados. Odeio esses primos ao pequeno-almoço, pois amo ao jantar o natal em que Bach encaixa tão bem nas rectas de Borba.
Para que me servem os mapas, se todas as rectas terminam em curva; se todas as curvas ostentam sinais de bom perigo, sorvendo em tão doce rotina o que mais dá inveja aos montes fragosos de onde provenho?
Sou vaso e carrego comigo dez mapas e um interdito desenho. Os mapas não crescem, não deixam raízes nem rezam. Sou um ou dois dias de atraso e vou nesta noite, sozinho, em busca da estrada onde só vejo motas sob homens de cascos com abas, e torsos em velhos pelicos. Sou vaso de duras memórias; fendido, mirrado, com húmus que verte a saliva no ferro da mão corroído; que vence este ensejo de te cartografar, em muro crivado de silvas.
São mapas inúteis, é certo. Não movem os dedos quando o desespero afina as poses que usas em tumbas. Não varrem o pó das pequenas flores que vespas colheram e que esta chuva d’agosto furtou aos meus pés. Não mostram o rio lavado de onde tu és e ardes em lágrimas. Não mostram o calcorreado caminho da fonte, a tão conformada vereda que leva às giestas, as cabras montesas subindo de frente os cumes que miram. Não tomam de assalto o que mal assomam, se estas devesas de velhos carvalhos morrerem no dia em que abram os olhos à brisa da mão pecadora.
Não há dia mais frio do que um dócil rio que passa em fugida.
São mapas, senhor. Inúteis de dia, e fúteis de noite. Incautos à tarde. Perdidos em todas as horas. Unidos, dançando e cantando em volta da tua infância florida.