Genuflectórios

Genuflectorios

Por ser manhã
és fugidia
mas vais retida
enclausurada
em certa história

E passam horas
amordaçadas
onde entranças
nessa nudez
o que não choras

Essa tristeza
é o degrau
em que paraste
e é a luz
que não te chega

Espero ler-te
em patamares
de oito cantos,
genuflectórios
inconfessáveis

Respostas cortejam respostas

Respostas cortejam respostas

Ao vento que te cobre a terra, o pó
ao pó de quem tens os cabelos, a noite
Às cinzas, o que já foi do fogo
ao fogo, o que já foi cadáver
Respostas cortejam respostas
perguntas penteiam perguntas
afagos demandam afagos
Silvados não entram no jogo
e são outro nome que dão às muralhas
Os deuses irados não contam anéis
lagos parados não chovem encantos
Desculpas, nem mãos já as tens.

O algoz de Jenny Wren

Algoz de Jenny Wren

é um homem desgostoso de ser pássaro
é um corvo embrutecido pela mão dos seus espelhos
tem nas fendas um irmão de quem sabe não estar vivo
e morreu com tremores de mil velhos por sonhar

por decreto enlaçaste o teu corpo num vaivém
e num lume retorcido afagaste os teus conselhos
imolando ligeireza no parto dessa curva
que separa a fraga fria da levada que nos nutre

o algoz de Jenny Wren desbotou no muro cedo
queimou ontem o desgosto de ser pássaro
e por certo violou o fim do seu tratado
porque certo é morreres no teu desdém

Tríade (III)

triade 3

I
Cortaste essa pulseira para que o teu corpo nu ficasse mais tu.
Quando rasgarás a trança que prende o luar claro ao breu do teu impulso?

II
E tu, que és insurgente
mordes temores sem dizer idioma ou palavra
nas magras paisagens que deixas por pintar,
enquanto muitos se fazem órfãos da sua própria esquina.

Embora rebelde em desígnio
és flor atormentada e dormente,
num véu separas as palavras certas, das mais acertadas,
e de nada te servem quaisquer palavras,
que todo o jogo tem o seu fim.

III
Importa que tudo durma sobre o morno pó dos teus pés.
Importa que durmas, e que tombe o pecado
como flocos crus das flores dos salgueiros.

Limalhas

IMG_3640

Para a Amora Silvestre

Alguma vez sentiste
um olhar de limalhas cortantes,
o desligar gradual, a liturgia dos pulsos,
desfalecer num aperto e sem aconchego
sobre clepsidras deitadas?

Alguma vez sentiste
temor de amolecer as palavras difíceis
para as ter airosas em voo firme,
medo dos contornos do rosto, das suas nervuras
receio da mão que embala e descentra?

Alguma vez sorriste um olhar triste?
Alguma vez me sentiste
do mesmo lado do bosque?

Alguma vez mentiste à palavra
com que separas o teu nome do corpo,
com quem te debruças sem tempo?

Também nos consome esse tempo
que dos fingimentos já dorme
num frágil sono fingido
e por nada desperta.

São limalhas as tuas palavras
desconcertam tudo o que temes
e essa sede vive em ti o seu sonho
navega amarrotada ao passado
até que se torna amarga
a teia que te tece
e me prende.

Tríade (II)

Pavimento escorregadio

Não posso endeusar o engodo do teu nome, nem tecer um sobrenome com o sopro do teu corpo, mas eu sou o mais íntimo homem que tu velas.
Não posso insinuar por onde abrandas, onde atracas em insónias de paz. Vou rodeando os pingentes de sal do teu olhar, a pendente do teu morno lençol, guiando a direcção do teu soslaio quando finges dum abraço não cair, quando tens nessas mãos encruzilhadas que permitem enlaçar infravermelhos, desfraldar inconformismos, recalcar em ultrassons os girassóis da nossa infância, armadilhar o silêncio além do chão, aquém da bruma, em turbilhão, num entremeio ousado que seduz e entorpece, e se esquece com a aragem.
Sou o fogo enevoado do teu limbo, o recato envelhecido e sem um rosto. Na mais incansável cidade, no mais prolongado remanso, mapeias as mais sedutoras estradas que te prendem, e com essa recusa escorregam sem sentido mil destinos ressentidos numa parede branca.